sábado, 17 de janeiro de 2009

John Lee Hooker - "Chill Out"


Sob o sol escaldante no céu, às batidas de milhares de arados no solo, nos campos de algodão e tabaco regados pelo suor dos escravos norte-americanos, podia-se ouvir um clamor, um grito de angústia. Vindo de cada boca negra, e resultado de desumana opressão, um canto triste e sem perspectivas ecoava; canto este que os fazia lembrar de sua mãe África, de sua terra deixada há muitos anos, há muitas milhas de água salgada.

Tal canto, ao longo dos anos, sofreu mudanças e adaptações, gerando um estilo de crucial importância à musicalidade ocidental do séc. XX até os dias atuais: o Blues.

Às margens do rio Mississipi surgiram os primeiros grandes nomes do gênero; logo em seguida, o Blues atingiu Chicago, influenciando, na década de 40, os pioneiros do Rock americano, e sendo, na década de 60, resgatado pelas grandes bandas britânicas, como os Stones e os Beatles.

Entre os principais nomes do estilo, como os veteranos Robert Johnson, Muddy Waters e BB King, está o artista de cujo disco falarei na resenha de hoje: John Lee Hooker. O álbum em questão é “Chill Out”, lançado já na década de 90 – mais precisamente em 1995 – quando o artista já possuía longos anos de carreira e experiência, gozando de enorme respeito por parte dos entusiastas da música negra norte-americana.

Apesar de não tratar-se de um registro antigo, “Chill Out” conserva o verdadeiro espírito do Blues, tendo em cada nota batida em seu violão as cicatrizes e a melancolia características do estilo. Por mais que, na maioria das vezes, as letras não serem pessimistas – fato nada anormal ao estilo que, afinal de contas, não é feito só de amarguras – há predominância de uma sonoridade bastante taciturna e até mesmo monótona, o que, em minha opinião, é um ponto pra lá de positivo.

O disco tem inicio com “Chill Out (Things Gonna Change)”, contando com a guitarra caliente de Santana. A faixa possui uma sonoridade impar no trabalho, com a forte veia latina trazida pelo guitarrista convidado. Os instrumentos de percussão adicionam ainda mais ênfase a esse tempero. Com todo o respeito a Santana e sua importância para a musica em âmbito mundial, esta talvez seja a faixa que menos me agrada em todo o disco, sendo sua faixa mais comercial.

Para mim a diversão começa realmente com a segunda faixa, “Deep Blue Sea” – se é que a faixa possui algo de divertido… Trata-se daquele Bluesão bem a la Hooker, escrita e executada pelo músico. São só John, seu violão de cordas de aço e seu pé, batendo o ritmo, solitário, insistente, no piso do estúdio, proporcionando ao ouvinte um momento bem intimista, como se estivéssemos sentados em um quarto de um casebre em Nova Orleans, observando a chuva pela janela e ouvindo os acordes martelados no violão.

O álbum tem continuidade com “Kiddio” e sua levada gostosa e um tanto mais alegre. A faixa possui bem mais instrumentação que a anterior, contando com um pianinho arisco, executado brilhantemente por Charles Brown; guitarra discreta; um baixo ainda mais discreto; e aquela bateria malandra, ali, como se não quisesse nada com nada.

Outro momento intenso é o medley “Serves Me Right to Suffer/Syndicator”, levando qualquer fã do bom e velho Slow Blues às alturas. A faixa conta com a participação especialíssima de Van Morrison nos vocais e guitarra, demonstrando grande feeling em cada nota executada. O órgão de Booker T. Jones também marca presença, dando à faixa o acabamento merecido.

“One Bourbon, One Scotch, One Beer” trata de um assunto bem decorrente no Blues: a manguaça. Haja fígado! A faixa é um Blues pra cima, bem descontraído – não me chamando muita atenção, pra ser sincero. O ouvinte mais atento perceberá que John Lee, até aquí, não executou dois tipos iguais de Blues, fazendo um passeio por várias variáveis do estilo.

Apartir de agora, a fossa reina soberana no trabalho – ao menos no que diz respeito à musicalidade. “Tupelo”, lembrando a segunda faixa do disco, conta apenas com Hooker, repetindo um riff melancólico em seu violão.

O mesmo clima de profunda melancolia está presente em “Woman On My Mind”. O ouvinte não familiarizado com essa sonoridade, ou se a musica monótona não for mesmo do gosto do freguês, achará tudo isso um porre, abrindo o aparelho de som e enterrando o disco em uma caixa a sete palmos abaixo da terra. Bom, sempre há de haver um camarada que, assim como eu, fechará os olhos e sentirá toda a emoção transmitida pelo músico.

“Annie Mae”, ainda de um fel absoluto, possui acompanhamento de uma bateria lenta, piano expressivo e os solussos rápidos e grosseiros da guitarra característica de John Lee Hooker. Mais uma vez Charlie Brown dá um show à parte no piano. É interessante observar a constante repetição de palavras de John, uma de suas marcas registradas – especialmente quando se trata da palavra “you”.

A próxima faixa, “Too Young”, é um tanto estranha e bastante sentida. Aquí o disco chega ao auge da monotonia, sendo um pouco parada demais até mesmo para mim.
“Talkin’ The Blues” e “If You Never Been in Love” apresentam a mesma forma de Blues, com John se lamentando ao violão.

Confesso que após três músicas seguidas com esse rítmo de lesma o álbum fica um pouco cansativo, mas a última faixa vem salvar o dia: “We’ll Meet Again”, um Slow Blues muito gostoso, fechando o disco com chave de ouro. Bruce Kaphan faz um belo trabalho guitarrístico, diferenciando-se totalmente do estilo de Hooker.

Para a maioria dos ouvintes, o álbum pode ser adjetivado com uma só palavra: chato. Mas para quem quer passar a madrugada sozinho, deitado no quarto, feeling the Blues ao som da chuva, a satisfação é garantida. Bom, não sei se garantida, mas pra mim funciona bem…

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Genesis - "Trespass"


Imagine um mundo frio e belo, estático, sombrio, ladeado de montanhas brancas, vistas de uma janela de um palácio azul em que um rei e sua rainha observam a graça de uma paisagem bucólica e deserta. A chave para esse palácio imponente e pálido está nas mãos de uma das grandes bandas surgidas no finalzinho dos anos 60: o Genesis.

Após o lançamento do ignorado “From Genesis to Revelation” em 1969, a banda retornou de cabeça erguida com “Trespass”, entrando de uma vez por todas para a realeza do Rock Progressivo. O disco, ainda não contando com a presença de Phil Collins nem mesmo na bateria, já possui as fortes características que tornariam a banda uma das mais veneradas do gênero. É notável a maturidade do disco, lançado ainda no ano de 1970, quando a maioria das grandes bandas progressivas ainda engatinhavam. Talvez apenas o King Crimson, um dos pioneiros absolutos do estilo, gozava de tamanha naturalidade na produção do Prog naquele ano ainda embrionário.

A capa, criação de Paul Whitehead, pinta o disco com um azul triste, reforçando sua musicalidade vespertina e crepuscular. Trata-se de uma obra a ser apreciada de maneira solitária, no silencio, para se poder absorver cada segundo de tamanha nobreza sonora. “Trespass” possui momentos de tirar o fôlego, tocando o intimo do bem-aventurado ouvinte. É interessante notar na capa, já descrita no primeiro parágrafo, uma referencia visual para cada faixa do álbum, como, por exemplo, um anjinho “semi-barroco” para “Visions of Angels” e uma grande faca para “The Knife”.

“Looking for Someone” começa com a voz expressiva do grande líder do grupo, Peter Gabriel, com sua grande facilidade em criar atmosferas imaginativas e letras teatrais – teatralidade esta que se tornou marca registrada da banda, fazendo com que as performances do vocalista no palco se tornassem um espetáculo aparte. A faixa é abundante em belas melodias e arranjos espetaculares. Nobres, como já disse antes. Outra característica da canção é a alternância entre trechos delicados e outros mais agressivos.

O disco continua com a melancólica “White Mountain”, possuindo algumas passagens maravilhosas que se repetem após cada parte mais enérgica. Tais trechos, apesar de inseridos na canção que considero a menos interessante do trabalho, são alguns dos momentos mais belos e intimistas da obra, passando sensações de leveza e candura absolutamente aconchegantes.

Outro belo momento do disco é “Vision of Angels”, apresentando a melancolia presente em toda a obra, além dos belos arranjos e inspiradas melodias. Talvez seja essa a faixa em que o baterista John Mayhew tenha mais destaque, com suas poderosas e empolgadas viradas, dando ainda mais força aos acordes executados pela banda.

É no lado B, porém, em que se encontram as mais belas composições do disco. A primeira delas, “Stagnation”, e uma das obras-primas absolutas de toda a carreira do Genesis, em minha opinião. É uma daquelas canções que nos elevam a um estado de êxtase profundo, abundante em momentos impressionantemente belos. Faltam-me palavras para descrever esta que é a grande atração do álbum. O sintetizador de Anthony Banks nos leva à loucura, assim como os violões dedilhados de Banks, Philips e Rutherford. Fora do comum.

A segunda, “Dusk”, é sublime. A faixa mais simples do álbum possui um poder de acalanto absoluto. É como ter uma visão antecipada do paraíso. Devido à incompetência das palavras ao tentar descrever tal beleza, caminharei para a faixa final.

“The Knife” apresenta agressividade inédita no trabalho, possuindo, mesmo que de maneira violenta, a elegância tão característica do álbum. A música soa como uma revolução, um atentado ao quieto palácio em tal país imune ao tempo. A faixa possui também momentos mais calmos em que a flauta de Gabriel dá o ar de sua graça. Um grito infantil de desespero em meio a outras vozes inquietas é sinistro, aumentando a voracidade sonora da peça.

“Trespass” mostra-se um trabalho austero, merecendo atenção absoluta por parte do ouvinte. Trata-se de uma daquelas raras oportunidades de ser um membro da realeza, mesmo que por apenas um pouco mais de 40 minutos.
Desculpem pela demora, caros blognautas. O velho João saiu de férias, mas já está de volta. Atualizarei o blog o mais depressa possível.
Até mais!