domingo, 1 de fevereiro de 2009

A Barca do Sol - "A Barca do Sol"


“Quanto ao nosso som, dizer que fazemos rock puro seria o mesmo que ouvir cinco russos dando uma de Originais do Samba. Ou um bando de japoneses tocando baião. Nós, como eles, não teríamos swing”. Essa definição, dada pela própria Barca do Sol, traduz muito do universo e da visão musical desse tão peculiar grupo formado no Rio de Janeiro, em 1973. E, de fato, o que esses nove caras fizeram não caberia tão facilmente em um só rótulo.

O disco resenhado hoje é o álbum de estréia da banda, lançado em 1974, e é, em minha opinião, o mais original e experimental de todos eles. Aliás, nada aqui é convencional: melodias estranhas, instrumentação intrigante, letras enigmáticas, e uma criatividade fora do comum. Ao contrário da maioria das bandas nacionais da época, A Barca do Sol não se preocupava em imitar o som da gringalhada, optando por uma música que os fizeram únicos.

Não é à toa que o grupo chamou tanto a atenção de Egberto Gismonti, um dos grandes monstros da música brasileira que, além de produzir o disco, ainda fez pequenas participações, tocando sintetizador em duas das faixas. Outras presenças marcantes são a do violoncelista Jaques Morelembaum, membro da banda durante seus dois primeiros álbuns, e a do flautista bretão Richard Court, mais conhecido como Ritchie – sim, aquele mesmo Ritchie de “Menina Veneno”, por mais estranho que possa parecer!

O disco começa com “A Primeira Batalha” que, apesar de sua letra um tanto inconsistente e repetitiva, possui melodia e instrumentação impecáveis. A canção difere-se bastante do restante do repertório do grupo, dominado por letras introspectivas e melodias sombrias. Os violões, as flautas, o violoncelo e a percussão dão à faixa um tom descontraído e cigano, com uma sonoridade folk muito gostosa e natural.

A próxima faixa, “Brilho da Noite”, é um grande destaque não só do álbum, mas de todo o repertório da Barca. Trata-se de uma música extremamente dramática e teatral, dando a sensação de que se está no meio do mato com animais selvagens e outras criaturas noturnas à espreita. Letra e arranjos sensacionais, afirmando o som agreste da faixa.

“Arremesso”, apesar de uma bela canção, é um tanto monótona. De qualquer forma, vale sua vaga no disco, possuindo bons arranjos e trechos inspirados. Destaque para o violoncelo de Jaques. Ainda no mesmo clima melancólico e intimista, segue-se “As Boas Consciências”, possuindo, também, delicados arranjos, todos de muito bom gosto.

Um tanto mais estranha que as duas canções anteriores, “Caminhão” apresenta uma sonoridade bastante tribal, com os arranjos caóticos e ousados, tão presentes na obra.

Ótima melodia e letra bem interessante são as principais características de “Lady Jane”, que emenda-se com “Dragão da Bondade”, outra faixa muito agradável. Apesar de momentos doces, a faixa possui uma instrumentação mais pesada em seu refrão, marcada pela flauta inquieta, violões batidos e o violoncelo marcante de Morelembaum. Seu único ponto negativo é um violinozinho indigesto, no finalzinho da faixa. Mas nada que a comprometa...

“Alaska” é outro destaque do disco. Sua melodia nada convencional e sua letra ainda mais peculiar chamam muito a atenção, e agradarão a qualquer ouvinte à procura de algo diferente. A faixa possui mudanças de tom e de ritmo, contribuindo ainda mais para sua riqueza e distinção.

O álbum segue com outro grande momento, “Fantasma da Ópera”. Já está ficando chato, mas eu tenho a obrigação de repetir mais uma vez que a banda foi extremamente feliz em seus arranjos, melodias e letra. A faixa tem início com uma vocalização muito interessante, lembrando grandes grupos brasileiros como, por exemplo, o MPB4.

“Corsário Satã”, a mais agressiva do disco, faz o ouvinte sentir-se, realmente, em um navio pirata. Trata-se de uma das grandes composições da carreira do grupo, extremamente imaginativa e expressiva. O melhor é que nem é preciso de um mapa do tesouro para se ter acesso a essa preciosidade.

A Barca do Sol chega finalmente ao porto com a faixa título, muito bela e delicada. É hora dos tripulantes descerem ao solo, já com certa nostalgia, para relembrarem os grandes momentos dessa viagem.

Resumo da ópera: eu não sei se posso chamar “A Barca do Sol” de um disco de Rock; também não sei se devo chamá-lo de um álbum de MPB, ou seja lá o que diabos for. Só posso afirmar uma coisa: trata-se de ótima música. E é só isso o que interessa.

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