
Aproveitando o embalo da resenha anterior, continuarei a escrever sobre este grande conjunto brasileiro que foi A Barca do Sol. Seguirei cronologicamente, tratando hoje de seu segundo e mais aclamado disco, “Durante o Verão”, lançado em 1976 pela gravadora Continental, e produzido por Egberto Gismonti. A banda, nesse trabalho, após uma mudança de formação, utilizou mais que nunca a guitarra elétrica, flertando um pouco mais com o Rock Progressivo inglês e produzindo um álbum finíssimo, digno de toda admiração a ele atribuída.
Ao som de gaivotas e ventania – mais litorâneo impossível – começa a faixa título, construída sobre a base tradicional das canções da Barca: flauta transversal, violões dedilhados, percussão e o violoncelo de Jacques. A diferença é que a faixa conta com um contrabaixo acústico, muito bem executado, por sinal.
“Hotel Colonial”, uma das grandes composições do álbum, é mais uma amostra da grande capacidade criativa da banda e sua facilidade em criar atmosferas sombrias e, digamos, “ameaçadoras”. A faixa tem início com um apito de navio, executado juntamente com o violoncelo, preparando a entrada para uma guitarra dedilhada e a melodia vocal. A faixa possui um belo trabalho vocal e instrumental, abundante em variações rítmicas e riqueza de texturas. Destaque para o riff executado após a menção do título na letra e para os arranjos de violões, guitarra e violoncelo.
Lenta e triste, “A Língua e a Bainha” vem como um bálsamo, envolvendo-nos com sua beleza melódica e harmônica. Trata-se de uma canção intimista, para se ouvir sozinho, saboreando cada nuance sonora.
“Os Pilares da Cultura”, a mais pesada do disco, caracteriza-se por guitarras destorcidas, bateria quebrada e uma letra muito interessante, um emaranhado de ditados, clichês, palavras de ordem e até frases publicitárias conhecidas no Brasil. Aqui, A Barca do Sol mostra sua face mais roqueira e se dá muito bem.
O disco segue com “Karen”, um retrato musical do cotidiano de uma mulher, cantarolando em sua casa, acompanhada pelos ruídos do rádio ligado, pássaros cantando, e um carro saindo da garagem. Ao cessar o canto da mulher, é a vez da banda executar a mesma melodia, utilizando apenas flauta e violão. A única faixa instrumental do LP.
Outro grande momento da obra, “Memorial Day” inicia-se com conversas e exclamações aleatórias – o ouvinte mais atento ouvirá, inclusive, um “Batman e Robin vem aí”. A canção é dotada de uma maravilhosa melodia, além de arranjos soberbos. A banda inclusive arrisca um cânone, lembrando o Gentle Giant, seguido de um trecho de Rock Progressivo classe A, com uma pegada bastante enérgica. Belíssima execução de todos os instrumentos.
A banda nos serve um verdadeiro “Banquete”, apetecendo e saciando a todo ouvinte ávido por um sabor proporcionado apenas por um disco de tamanho cacife. O violoncelo de Jacques, soberano, afirma definitivamente a faixa como uma das mais belas composições de todo o repertório do grupo.
“Belladona, Lady of the Rocks” possui um caráter meio latino, adicionando um tempero diferenciado ao disco. As guitarras destorcidas e percussão marcam presença mais uma vez.
O disco fecha com “Outros Carnavais”. Bem direta, a canção dispensa introdução, já começando com tudo. Aqui encontramos os ingredientes presentes na maioria das receitas da Barca, ou seja, instrumentação acústica e arranjos puxados para o Folk.
Como o caro leitor pode perceber, o segundo disco d’A Barca do Sol é um dos casos raros de 100% de aproveitamento, não possuindo uma só canção ruim. E o pior é que eu fui perceber o quão bom é o disco apenas essa semana! Vai entender...
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